terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Brincando com as letras: O Rio em Janeiro



- Senhora tem rosa amarela?
A velha vendedora conversava animada para fora da loja,
O dia tinha ainda ressaca do novo ano;
Ruas eram promessas, nem os turistas tinham aparecido,
E a senhora que tudo já tinha visto, parecia não se surpreender.

- Não tem não, mas leva a azaléia.
A moça olhou para a flor mostrada, era bonita mesmo,
Todavia não servia o objetivo no novo ano.
Ela olhou em volta, perdida nos matizes e cheiros,
Sabia que naquele dia seria difícil encontrar rosas de quaisquer.

- É para Oxum, vozinha, que mais posso levar?
Um sorriso de compreensão vislumbrou-se no rosto negro,
A Rainha de Ijexá rege aquele novo ano;
Viu através da pele alva da compradora, a filha do Orixá Mãe.
Lágrimas, ouro, vaidade, crianças, erótico, água, tato, beleza, coração.

- Leva palma amarela, filha. Oxum vai gostar.
Pensamento correu rápido à mente do amigo antigo da vendedora,
Que talvez algo mudaria com o novo ano,
Ele esperava ainda do lado de fora para terminar a prosa;
Filho de Iansã, sempre lamentara como os jovens esqueciam a tradição.

-Yemanjá, sereia minha, peço licença. Estas são à Oxum, minha mãe.
O infinito de Copacabana lambeu as flores e as engoliu em sua oscilação,
As areias luziam as memórias do festejo do novo ano;
Garrafas, esperanças, oferendas, lixo, promessas.
A moça contemplou tudo, respirou bem fundo, sorriu e rumou ao Sul.





“...É melhor ser alegre que se triste,
A alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração...”


                                                                                                                         Rio de Janeiro -Brasil - 2012
                                                                                                                         





quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Fragmentos: Ivy






Ivy    

Era uma vez, uma garota nascida no país mais estreito do planeta, em uma família de pai militar e mãe diva. Terceira de quatro irmão, olhos azuis em domínio da Terra Mapuche.

Sob estas estrelas austrais, ela agarrou seus livros, suas malas, os conselhos parentais e viu o mundo. O Velho Continente, ela conheceu entre amigos e amores; o Novo entre fraldas e boas historias.

Ela colheu amigos sinceros, admiração incomparável, confiança inestimável e amor total. De estranhos, de conhecidos, da família distante e da próxima. Suas joias e tesouros: seu sorriso, sua sabedoria e seu gigantesco coração.

Era uma vez, uma mulher que abençoou o mundo com a sua existência.






domingo, 8 de janeiro de 2012

Fragmentos: Longos Braços




Peço um pouco de paciencia com as minhas palavras, pois quero fazer uma ultima homenagem a minha Vó, que não é apenas minha Vó, mas minha Madrinha, não apenas minha Madrinha, mas minha Mãe pelos últimos anos. 








O prêmio nobel, o poeta chileno, Pablo Neruda, entre seus versos, escreveu “Temos longos braços para enterrar os nossos”. A 1a vez, pensei em uma sentença terrivelmente macabra coberta de obrigaçao. Enterrar os nossos, dobrando-nos as escolhas da morte.

Ainda não são seis anos, e meus longos braços ja enterraram meu avô, minha mãe, e agora minha avó. Ao me aproximar dos seus caixões, observo as marcas fatais, os traços fisiologicos, a rigidez caracteristica, a palidez, o inchaço. Serão eles mesmo? Procuro sempre suas mãos, não sei porque.

Meu Vô tinha dedos longos, tortos de aventuras e ensinamentos. Choro a reconhecê-los. Minha mãe tinha as mãos mais lindas que ja vi. Choro a reconhecê-las. Minha Vó trazia a arte e as falanges distorcidas da artrite nas suas. Choro reconhecendo-as.

Choro por saber que seus olhos permanecerão fechados mesmo que eu clame por minha Vó Maria.   

Alguém pode pensar que ela foi apenas uma boa esposa, uma mãe dedicada, uma cidadã exemplar, uma católica fervorosa. Ela não era uma intelectual como meu avô, nem a ultima palavra numa sociedade patriarcal.

Contudo ela era uma artista, fosse criando flores de seda para enfeitar noivas, fosse juntando temperos na cozinha, fosse dormindo na máquina de costura para vestir os seus e outros, fosse pintando telas, fosse aprendendo linguas, fosse com sua mala pronta para viajar, fosse trazendo a vida não apenas 7 filhos, mas seu jardim e sua horta, fosse sendo teimosa, brava e ditadorial, pondo a risca a sua origem italiana sulista, e sendo sim.. muitas vezes.. A última palavra.

Ela viveu. Ela viveu plenamente seus 91 anos. E não choro mais lágrimas de tristeza. Jovem ela adotou uma pequena menina, mãe solteira por opção e aprovação familiar, numa época nada aconselhável tal modelo. E não foi apenas a Irma que lhe chamou de mãe, de tantos outros que ela chamou como seu.

Ela namorou meu avô, com o vovô Egidio pondo a pequena menina entre eles na sala de estar. E esta historia deles, começou com uma pequena criança, uma confusão do padrinho do rapaz, e este amor durou até que a morte os separou 63 anos depois.

Poucas vezes, eu os vi se beijando, e perguntada ela dizia a mim “no nosso tempo isso não era preciso”. Sim, a demonstração de amor teve uma época singela, e mesmo em discussões e meu avô gritando a ela que os netos iriam quebrar seus pescoços trepados em arvores, observava seus olhares de paixão, de cuidado, de proteção, de orgulho, de amor e de respeito mútuo.

Eu e a minha Vó aprendemos a nos ouvir e nos compreender, e o que mais gostava era ouvir suas histórias e conselhos.

Sangue não é água.
Família é família.
Necessidade faz as virtudes.
Piano, pianissimo.
Há verdades que não devem ser ditas.
Deus sabe o que faz.
Se atrae mais moscas com mel que com vinagre...

Ou quando escutava algo que não devia e dizia “não ouvi nada”... Ou dizia a tudo que riamos “que tanta bobajada que vocês falam”... Ou dormia vendo a novela “...estou escutando tudo, apenas descançando meus olhos”.. Ou pega comendo algo que não devia, e negava com a boca toda suja de chocolate.  Meu avô lhe dava “Sonho´s de Valsa” escondido. “Nao posso negar nada a Maria”.

Ao ver a dor dela ao enterrá-lo, ao por a aliança dele sobre a dela, ao querer se cobrir de negro para sempre, ao se pudesse se atirar numa pira como uma esposa hindu; o que graças a Deus, nem o luto eterno foi completado nem a fogueira, ela me disse que não haveria outro amor… “Não seria o Paulo”.

Nos seus últimos dias, ela o via, assim como a minha mãe e o seu irmão César. Pedia para lhes servir água, e dizia que era abraçada por seu marido. Acredito que ele veio buscá-la, e saíram de mãos dadas, dançando Nat King Cole como gostavam. Um amor reunido pela morte.

Hoje, vejo as palavras de Neruda como algo da vida, algo para se homenagear as vidas dos que nos deixam. Não temamos a morte. Saiamos daqui com a certeza que o corpo dela se perderá, mas não sua vida, não seu exemplo, não sua historia. Como muitas vezes, ela disse para mim no telefone; “sinta-se abraçada por mim”...Eu a modifico um pouco:


Vó Maria, sinta meus longos braços que te abraçam mais uma vez, mi muñequita linda… Eu te amo.