quinta-feira, 8 de março de 2012

Cover to Cover: "Diário de Anne Frank" ( Het Achterhuis )





"Quando escrevo, sinto um alivio, a minha dor desaparece, a coragem volta... Ao escrever sei esclarecer tudo - os meus pensamentos, os meus ideais, as minhas fantasias". 


Lembro-me da minha mãe passando este para que eu o lesse, era 1989 e o livro tinha o nome da minha prima Jamili na folha de rosto, e não era bem este... Era a versão antiga, em capa branca com  fontes vermelhas e uma foto da Anne mais jovem.

 Eu o li  sentindo-me a própria Kitty, a confidente de Anne..Seu Diario, seu escape. Eu o li sentindo toda as frustrações dela com os adultos, com seus desentendimentos com sua mãe, com seus amores impossíveis, sua admiração pelo seu pai, com seus sonhos, com o sentimento de não ser dona da sua vida, de se sentir incompreendida pelos outros, não querer estar ali... Eram os meus também. 
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Contudo, Anne estava ali confinada, escondida, amedrontada, perseguida, como toda sua familia, expurgada de toda sua cidadania, seus bens, seus amigos, seu namoradinho, sua gatinha, sua vida. Ela morreu uma adolescente ainda em Bergen-Belsen, um dos campo de concentraçao nazistas, junto com sua irma mais velha Margot (provavelmente pela epidemia de tifo)... Sem ter feito nada de errado. 

Aquilo ficou comigo por semanas, como se podia fazer isso? Como matar milhões de pessoas por preconceito? Não era a Idade Média, era algo ali tao próximo historicamente de mim.  Lembro-me de perguntar para minha mãe incansavelmente, tudo que ela sabia, em pesquisar nos livros para tentar entender...por que ninguém fez nada? Por que Anne morreu? 

Pela historia de Anne fui descobrindo mais de toda a Historia da II Guerra Mundial, de todo o Genocídio. Era tao incrível pensar que pudéssemos fazer isso com nos mesmos. Nossa especie. E minhas raízes alemãs? Eu era responsável por aquilo também? Eramos nazistas também? E se fossemos? 

Em 1992, ganhei de minha vó a Versão Integral do Diário, esta não tinha a censura que a obra original passou -desde sua 1a publicação- pelo pai de Anne, Otto. Décadas depois, poderíamos finalmente ler tudo que Anne escreveu: sua sexualidade, suas ideias mais extremas, as brigas com a mãe, os pseudônimos, sua relação com Peter no Anexo...

O que me fascina neste livro é a mente de uma adolescente passando o que toda adolescente passa...E a todo o momento sendo lembrada de uma estrela de Davi no seu nascimento e que a ignorância dos homens podem acabar com a sua vida e toda a sua família. Sair de uma hora para outra e ter que se esconder do mundo.E temer por sua sorte. Como isso é possível? 

Sempre que tenho a chance, repito o gesto da minha mãe e passo esta historia para alguem, creio que faz bem a angustia, a ansiedade de quando somos jovens, de quando parece que nossos problemas são os maiores do mundo e não temos a minima ideia do que existe fora das nossas janelas. 

Em 2004, estive no Anexo, em Amesterdam, na Fundação Anne Frank. Pra mim, foi completamente surreal estar ali. Na frente do diário dela, o original...Kitty...ali, na minha frente... E todas as versoes do Diario pelos anos e todas as linguas traduzidas. O quarto dela, as fotos de artistas que ela tinha. Era uma emoçao surreal, tao forte. Anne tinha se escondido ali, ela tinha escrito ali, e ela tinha sido presa ali. 

O ultimo capitulo que ela escreveu no seu diario, dias antes de serem encontrados, sempre me faz chorar...Ele tem tanta esperança e reflexao, e voce sabe que logo todo o mundo dela ia desaparecer e ela enfrentaria o Horror. 

 Há varias pessoas que questionam a veracidade do Diario, de Anne... Nao é isso que me entristece mais, é saber que muitas Annes vieram depois de Frank, varios Diarios foram escritos em esconderijos, em guerras, em genocidios, sob o medo ... E o valor deles é imesuravel, eles devem nos lembrar sempre de quanto podre e cruel podemos ser. 

E que a escolha é nossa, em participar e permitir. Ou fazer algo, de verdade. 


“Nunca acreditarei que os poderosos, os políticos e os capitalistas são os únicos responsáveis da guerra. Não, o homem comum também se alegra em fazê-la. Se não fosse assim, há muito tempo os povos teriam se rebelado".





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