sábado, 16 de junho de 2012

Fragmentos: Uma Antiga Carta








Dia 25 de junho de 2005.



Amanha, faz um mês que a minha Nena não está mais aqui. As pessoas acreditam que o mais difícil é a notícia trágica do acidente, ou a negação do ocorrido, ou deparar-se com ela sem vida, o velório mórbido, as decisões apressadas, a família devastada, o funeral eterno, a angustiante despedida. Quem nunca passou por isso, acredita.

O mais difícil é o tempo passar por mim e a saudade me arranhar, e a ilusão que se quer -desesperadamente- acreditar que ela vai voltar, não acontecer. A dor maior é me dar conta que nunca mais darei um cheirinho na minha mãe, nem dar um carinho quando de noite ela vinha me pedir e deitar na minha cama um pouquinho. Isso que me dilacera.

Quando precisar de um conselho de madrugada não ter a quem pedir, e que ela não estará presente na minha formatura, ou contará historias aos meus filhos. Nem será Ministra do Meio Ambiente, salvar a Amazônia dos gringos, terminar o Inventário Florestal, apresentar o novo namorado ou usar a passagem para o Chile que já possuía data.
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Nunca irá repetir “Assim não dá de viver” quando deixávamos a casa bagunçada e ela perdia a paciência. Não, ela não irá. Nem tentar esconder bolsas de compras, e reclamar que não tem dinheiro no final do mês. Ou assistirmos Sex and City, indicar mais um livro ótimo que eu nunca tinha ouvido falar, uma música antiga ou uma recordação perdida.

Não sentirei mais o barulho de panelas, portas dos armários batendo, e aquele cheiro delicioso da última receita que ela descobriu ou daquela minha favorita, que apenas ela sabia o ponto. Sim, ela me ensinava tudo, mas me fazia jurar não contar para ninguém, porque ela nunca escrevia todos os passos e ingredientes nos livros.

Não brigará mais comigo por ter usado a blusa que queria para aquele dia, ou por acorda-la ao pegar os sapatos dela emprestados logo de manha. Ela podia até perguntar quais brincos ficariam melhor, mas tinha que dizer a resposta esperada. “Nena, você me empresta aqueles teus verdes? –ela diria. E me divertiria emprestando. Ela era tão linda.

Não poderei me jogar na cama dela e pedir um abraço, quando ficar blues. E contar como aquele rapaz quebrou meu coração, ou como não sei terminar aquele trabalho, como estou cansada e de mau-humor, como briguei com minha melhor amiga, não sei mais o que fazer, como a vida é injusta. Ela diria “Nada é impossível”.

A ultima conversa com ela se repete na minha mente de tempos em tempos, “Nena, não quero te deixar sozinha aqui, vem com a gente...Sei que você precisa escrever o TCC... Sim, irei me divertir...Sim, estou levando camisinha –uma bela risada- Te amo, ok?...” Eu disse te amo de volta? Por que não pedi para ela ficar comigo? Por que?

E no fim, por mais que a dor doa, não posso me sentir traída... Não temos nenhuma garantia neste mundo. A vida não é justa, e ninguém disse que ia ser. Não depende apenas de nós. Depende de nós fazermos o humanamente possível, para aproveitar cada segundo que nos é oferecido. Amar sem arrependimentos, lembrar sem culpa.

Não posso culpar ninguém por isso ter acontecido. Posso agradecer por não ter sido antes, ter todos estes anos maravilhosos com a minha pequena. Ter meu irmão, Neni Torradinhas, ao meu lado. E todos os meus amigos de ouro, que não nos deixaram perder a fé na vida e quando olhamos para o lado, lá estavam com um grande sorriso.

Posso agradecer por, há 5 meses, ela ter dito a mim -chorando num abraço- “Você não é mais minha menininha, você já é uma mulher. Você fez tudo isso acontecer na tua vida. Sozinha. Eu tenho tanto orgulho de você”. E essa foi a 1ª vez que ouvi aquelas palavras. E tento lembra-las de tempos em tempos...

Para aqueles que possam, dia 26, deixem por algum tempo esta mesma foto em algum lugar, e compartilhem uma lembrança bem linda dela. Para que ela não pense que precisa ficar presa aqui, que descanse com todo o nosso carinho. Quando vim sozinha para Floripa, em 1997, ela me deu este porta retrato com a foto dela e uma dedicatória:




"Vc é meu anjo, e sempre serei o teu. Te amo, Mãe"




4 comentários:

  1. Linda da minha vida, linda dedicatória, sim...isto é uma dedicatória! =)
    Beijos Rô

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    1. Voce é um daqueles amigos que sempre ficou do meu lado, voce fez isso diferente para mim. Obrigada Ro!

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  2. Lindo, lindo, lindo, lindo.
    Bjo, Ju T.

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    1. Obrigada Ju! Obrigada mesmo por ler e deixar teus pensamentos por aqui. Bjo!

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