Eu tenho ótimas memórias das cozinhas das minhas
avós. Era aquela mundo mágico de coisas boas, de cheiros gostosos,
de combinações, de correria, de sons, do calor do fogão, de ir na horta,
passar no mercado, de queimaduras e acidentes, gritaria, de muitas historias,
de muita fofoca, de muito drama. Desde bem pequena, isso me marcou,
minha 1a memória é com menos de 2 anos estar fazendo pan amassado com
a Vivi na casa antiga do Jardim Anchieta... Cozinha sempre
significou família para mim.
Minhas duas avós eram bem diferentes culinariamente falando;
enquanto a cozinha da Vó Maria era grande e simples, no campo, comida italiana
e gaucha, nada podia ser desperdiçado, batalhão cozinhando, livros de
receitas em 2o plano, casa sempre cheia, porta de casa nunca trancada... Minha
Vivi tinha a cozinha bem pequena e prática, na cidade, comida chilena e todo o
requinte da haute cousine, nada de ficar sofrendo com a raspa da vasilha,
unicamente ela no fogão, livros de receita eram sagrados, casa tranquila,
porta de casa bem trancada mas sempre aberta a família e
amigos.
No que elas eram iguais e me ensinaram é que cozinhar é
sentir, experimentar, amar, saber pelo cheiro o que falta e nunca se pode negar
um prato de comida e um pouso a alguém, sempre se pode por mais
água no feijão e achar um espaço para
um colchão no chão. Ambas eram super católicas, de ir todo
o domingo na missa e comungar, de ter o retrato do Papa na parede... Mas eram
daquelas que tinha realmente o espirito cristão verdadeiro e sempre
foram as mais generosas pessoas que conheci.
Minha mãe também tinha asas na cozinha, ela podia fazer
o que quisesse e em tempo record... Toda a vida buscando uma receita nova e
melhorando as antigas. Ela sabia ensinar como ninguém, mas nunca ensinava tudo.
As receitas eram dela, era um bocado egoísta nisso. Se ela queria
punir alguém, ela condenava-o a nunca mais experimentar o que apenas ela
sabia dar o ponto. Como quando meu pai aprontou com ela, se divorciou e ela jurou
que ele nunca iria comer a mousse au chocolat ou o nhoc que ele
amava. E como eu sabia ambas as receitas, eu tive que jurar também.
E acredite, era um belo castigo.
E por ter estas 3 mulheres geniais na cozinha, para mim,
nunca pensei que alguém não pudesse ou não gostasse de
cozinhar. É algo de instinto de sobrevivência, básico a
humanidade, orgânico, de apenas sentir com tuas entranhas. Contudo, eu
mesma fiquei fugindo por anos da cozinha.
Não por não adorar tudo aquilo, mas por ver
na casa das minhas avós como era uma divisão injusta de gênero.
Principalmente, na casa da Vó Maria. A casa era na forma de uma "C",
com um longo corredor com a porta da frente bem no meio, e onde os extremos
eram a cozinha e a sala de estar. Quando a família se reunia nos
domingos, percebi esta diferenciação desde cedo... Homens para esquerda,
para a sala, ver TV, falar de futebol e política, tomar um licor, sem
compromissos... Mulheres para direita, para cozinha, para fazer o almoço desde
a massa, para a pressão do horário.
E a injustiça não parava ai, pois eles sempre
tinham uma reclamação de algo, e as mulheres passavam o almoço
atendendo, nunca elogios... E quando terminava, eles voltavam para sala e para siesta,
e as mulheres para limpeza...Elas começavam cedinho e ficavam o dia todo
trabalhando, logo era o café..e a janta. E eles eram os senhores e onde
as decisões importantes eram feitas.
Então, por muito tempo me rebelei. Se eles não me
aceitavam na sala por ser menina, fugia com um livro para cima de uma arvore.
Negava aprender qualquer receita, nada de "agora já pode casar",
achava tao depressivo que isso faria alguém querer casar comigo. Que
contrate uma cozinheira ou aprenda a cozinhar, oras! Por que eu tenho que ser
obrigada a servir alguém por ser mulher?
Levava bronca da minha mãe, tinha que
ajudar também... Ok, se ajudo, todos tem que ajudar. Pelos
menos quem era mais novo que eu, não estava nem ai se era menina ou
menino... Ficava no meio do corredor, empurrando meus primos para cozinha.
Vamos quebrar esta tradição ridícula e opressiva aqui mesmo. Não que
tivesse muito poder, mas sentia que ao menos não ficava sozinha
confinada entre as panelas.
Cozinhar pode parecer fácil, mas não é. É
trabalhoso, pressão, atenção, cuidado. Por isso que acredito que
homens tem que saber cozinhar, tem que saber lavar louça, limpar uma
cozinha...Para, ao menos, valorizarem o trabalho feminino nesta área.
Porque é algo tratado como naturalmente de mulher, e mesmo assim, tem
a prepotência de diferenciar-nos, porque homem nunca é
"cozinheiro", é "chef". E quando um homem cozinha, tem que
ser aplaudido. Sim, eu entendo, deve ser dado estimulo positivo.
Porém, não se pode fazer outra diferenciação aqui.
O acordo que acho mais justo é quem
cozinha não limpa. Todos que irão comer, ajudam. A melhor
coisa que há é cozinhar com todos juntos, entre a conversa e as bebidas e os
petiscos. Tudo termina mais rápido e é tao bom. Foi com isso que fiz
as pazes em voltar a amar estar na cozinha. E meu irmão cozinha
como ninguém, alem de outros primos que são ótimos e bons
companheiros. Isso me dá esperança na Humanidade.
Mas para quem tem medo de se aventurar por este terreno, a
dica é seguir a receita. Eu entendo, hoje, que cozinhar BEM também tem que se
ter o DOM. Contudo ninguém é amaldiçoado que não consiga seguir uma
receita. É química: voce segue os passos, ve as reações,
experimenta a tua comida e reflete no que falta. Aprende com os erros. Aprende
a não ter medo de errar. Começar com algo simples, acompanhado
de preferencia. Nao desistir, ter pacienica. Com o tempo, com a segurança, voce
vai sentindo aquela receita com todo teu corpo, e cria o feeling do
que fazer e muda-la a teu gosto.
É como seguir uma música que se sabe de cor. E com o tempo,
ousar em mudar os arranjos ou a letra. Fazer sua
própria interpretação.
Tem gente que nasce com esta facilidade, e faz arte com os
temperos e elementos. Mas você nao precisa ser o Dalai Lama para cozinhar
algo, para ter uma receita favorita, para fazer aquela sobremesa no natal e
receber elogios.. É apenas confiança em si e TUDO você pode achar na
internet! TUDO! Se algo deu errado, google! Se voce comeu algo delicioso e quer
fazer em casa, google! Se vc gostou de um programa na TV e quer a receita,
google!
É a cozinha no século XXI. Aproveite!
Dicas básicas:
- Cenouras tiram o ácido de uma receita.
- Pitada de sal faz as claras em neve chegarem no ponto
rapidamente
- Ha vários tipos de batatas e cada uma tem sua
especialidade. Pesquise antes de usar.
- Para neutralizar a pimenta, use açúcar. Nao leite,
nem agua. Açúcar ate em acidentes.
- Quanto menos farinha, mais suave fica a massa. Peneira-la
ajuda ainda mais. A qualidade da farinha, faz a diferença sim.
- Quanto menos açúcar numa geleia, mas suave e deliciosa e
benefica ela irá ficar.
- Sempre teste a receita antes de repassa-la ou do grande
dia de faze-la para amigos.
- Ouse em misturar sabores ou/e comidas étnicas.
- Suspiros crescem com temperatura e tempo certíssimos.
Paciencia. E limao.
- Separe tudo, corte tudo antes, para se concentrar na
receita apenas no preparo.
- Não deixe acumular a limpeza ,e planeje o que
sujar. Nada desnecessario.
- Experimente. Experimente. Experimente.
- Sempre ao juntar claras em neve numa receita, faça com
delicadeza. Ou será perdido o ponto delas na receita.
- Saiba balancear os sabores. Chocolates amargos, frutas cítricas ou
azedas, cremes neutros podem cortar o doce exagerado e equilibrar o
paladar.
- Não se preenda a padroes de uso de
ingredientes. Ouse.
- Não deixe algo over. Respeite os sabores,
pois se não, tudo fica com um mesmo gosto.
- Preste atenção ao tempo, marque num alarme. Ate
um nissin depois de 3min não é o mesmo se ficar 4 min no
fogo.
- Não esqueça de se divertir!
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